sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A ARTE E A CULTURA NA ERA DIGITAL

A arte e a cultura, assim como tudo no mundo contemporâneo encontram-se diante de múltiplos desafios. Como se fazer notar num mundo cada vez menos palpável? Como criar valor num mundo cada vez mais pirata? Como inovar artisticamente, num mundo cada vez mais utilitário? 
Se Van Gogh nascesse em tempos digitais provavelmente seria um designer. A publicidade poderia aproveitar muito bem as ambiências, as cores saturadas e celestiais do mestre holandês. Imaginem os cenários que montaria para os vts comerciais, para hollywood, para os clips? Provavelmente não pintaria seus quadros, mas quem se importaria? Talvez fosse mais feliz e menos genial. É claro que existem os românticos que não abrem mão das velhas tintas, pinceis e telas. Mas a cada dia o Digital invade o palpável e o simulacro substitui a realidade, com a vantagem de ser antisséptico, não poluente e com baixíssimo custo. 
A arte utilitária pra combinar com o sofá da sala impera sobre a arte vivenciada, espontânea e visceral, o artesanato sobre a arte original e o cover sobre os autorais. 
A mesma metáfora pode ser replicada em quase todas as artes, quase todas em colapso. O mundo humano vai se reconfigurando sob os nossos pés e sobre as nossas cabeças. As nuvens metafóricas estão lá, pairando sobre nós. Na música, tudo revirado pelo avesso. Há anos não vemos uma música brasileira digna de nota, uma canção daquelas clássicas de Chico e Caetano, Milton e Djavan. Talvez por que a lógica da produção artística foi invertida. Na época dessa turma da MPB as pessoas sentiam seu tempo com suas poderosas antenas poéticas e transformavam esse sentimento em arte. É verdade também que os tempos digitais trouxeram coisas interessantes. Toda a história das música está na tal nuvem descomunal.

Você acessa de Ernesto Nazaré a Thiago Iorc. Da música clássica renascentista aos eletrônicos siderados. Mas parece haver um esvaziamento de conteúdos e de densidade. O som é comprimido em 1/12 quando transformado de wave para mp3. A internet ao mesmo tempo que potencializa, esconde os talentos num ponto anônimo da longuíssima calda. Prevalece a música utilitária, o entretenimento puro e simples, cujos imperativos são beber, beber, beber, transar, trair, pegar( não me surpreenderá se dentro de pouco tempo tenhamos músicas pra defecar, pra urinar, pra tirar bicho de pé).  A geração parece não ter potência para erigir novos clássicos. Enquanto isso os hits de outras épocas ganham sobrevida pois tudo cabe na infinita nuvem.Heróis dos Stones, ACDC, do Pink Floyd, continuam vivos na internet. Os clips continuam tocando como se o tempo não tivesse passado. Os ídolos embalsamados vivos, as bandas museus continuam lotando estádios enquanto cheiram as cinzas dos antepassados.
É o futuro do pretérito(literal). Já os festivais e eventos musicais vem sendo sistematicamente cancelados.É o virtual se sobrepondo ao presencial. A crise chegando ao universo cultural por vias econômicas e preferenciais. O poder público exclui a cultura de seus planos de governo e ninguém se importa. A mídia também vai gradativamente diminuindo seus cadernos de cultura e espaços para a produção artística. Para o entretenimento popularesco sempre tem espaço. Mas só. O público parece ter invertido a lógica do protagonismo. Com as mídias sociais todos se transformaram em astros. O artista tem de ser muito bom pra se destacar...ou muito ruim... e a fama pode durar minutos. A impermanência virou regra.  

E a literatura? Como vai se virar fora do papel? Como o romance vai sobreviver num mundo de 140 caracteres? As pessoas continuam lendo, mas textos curtos, descontinuados em seus notes, tablets e smartphones.
O mundo ficou não linear. Pela nova lógica o epílogo pode vir antes da introdução e a escrita pode ser colaborativa, vitaminada(?), frankstênica.
No processo o direito autoral perde o sentido. Nada é de ninguém e todo mundo acha bacana. Nada mais democrático que compartilhar as obras alheias sem pagar nada por isso. Todos baixam músicas, fotos, filmes, livros, tudo na internet como se fosse a coisa mais normal do mundo. 
O mundo do compartilhamento gratuito é lindo e conveniente. Fodam-se os compositores e outros criativos.
E o teatro? Já havia aquela máxima idiota do Casseta e Planeta “vá ao teatro, mas não me chame”. Confesso ignorar os números da ocupação de salas e da produção teatral. Mas se a televisão já fez estrago, imagino que as mídias digitais devem ajudar a aprofundar o fosso. 
De qualquer maneira, como disse Wir Caetano na última entrevista no MEDIOPIRA, " a arte já respondeu com vigor à muitos tempos duros e acho que continuará a responder como se deve. Sempre é possível surgirem entraves à livre expressão, mas resistência também sempre acontece, com maior ou menor intensidade“. A frase do Wir é um sopro de esperança. Ele tá certo. A arte encontrará um jeito. Mas como em todas as revoluções, cabeças rolarão e comunidades inteiras serão dizimadas. Tratemos de sobreviver e de preparar o terreno quântico para os que estão chegando... 



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